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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Afinal, que tipo de altruísmo se quer?

Era uma terça-feira de alguma semana que se passou. Estava eu realmente ansioso para conferir o conteúdo de 'A Liga', novo programa de Rafinha Bastos na Bandeirantes. Seu humor perspicaz e inteligente me convidava à estreia, marcada para as 22h.

Minha sede por risos ia se esvaindo conforme passavam-se das 22h30min e o programa nao começava. Já meio aborrecido, vi a vinheta de abertura recompor-me o entusiasmo que logo no primeiro bloco do programa já fora aturdido novamente. A sagacidade com que o apresentador sobredito usava-se comumente para salpicar protestos às moléstias públicas com doses de humor, no CQC, estava fora do ar.

Insisti em dar confiança ao incipiente programa. O que vi foram denúncias sensacionalistas sobre a mendicância. Atuavam sobre a falta de solidariedade do povo brasileiro e concomitantemente evidenciavam depoimentos contraditórios.

"- Craro, as tia vem dá dinhero pra nóis e nóis pega os cordão delas."
"- Nóis não fica em casa por que o pai bate em nóis, aí a gente vem pra rua pedi dinhero pra compra pedra e fica aqui, é melhor."

Entre dar dinheiro ao pivete e arriscar perder meus tênis, e somando-se a isso ajudá-lo a entrar num caminho sem volta, prefiro manter-me inerte e investir no sonho de que crianças com intuito de ascender futuramente encontram auxílio e apoio na escola, que existe senão para isso.

O programa escolheu uma estreia de impacto. Teve o efeito contrário. E de todas as cenas apelativas escolhidas apenas uma marcou-me.
"- Não culpo "eles" por não me darem dinheiro, mas tenho vergonha por não ser nem olhada na cara, e quando muito, ser olhada com pena." Disse a mulher que foi acompanhada pela equipe do 'A Liga' em um dia de sua vida de mendiga.

E confesso que marcou-me de tal modo que passei a mudar, drasticamente, meu modo de ver os mendigos. Passei a vê-los como seres humanos. Com imagens físicas desfiguradas mas almas inteiras, completas e sedentas de apoio. Não passei a atuar em prol da mudança do mundo. Não teria poderes para isso, e nem saberia usá-los. Todavia, o depoimento daquela mulher, fez-me refletir acerca do que eu fazia em relação a essa pena, esse dó. Entre reflexões interrompidas, comecei a fazer algo que, de algum modo, por menor que fosse, ajudaria a reerguer a moral enterrada desses sobreviventes.
- Opa vizinha, como vai a senhora, tudo bem? - disse entre sorrisos à mendiga que "mora" ao lado da farmácia que atalha meu caminho ao colégio.
- Olá meu jovem, tudo bem, tenha uma ótima manhã. - respondeu a mulher, mostrando, num sorriso atrapalhado, seus dentes mal cuidados.

Se minha "mudança brusca" de atitudes fez mesmo alguma diferença ao dia daquela mulher, não saberei dizer; mas à minha manhã fez. Fiquei realmente satisfeito, mesmo depois do " Tu é louco" que o Marcelo exclamou ao presenciar a cena. Tão satisfeito que ao andar pelas ruas de Cruz Alta, na manhã do meu último domingo, repeti o ato. Dessa vez era um homem, que seria definido pela opinião geral como: assustadoramente mal encarado. Ele fazia com seus dedos um 'paz e amor' esquisito em minha direção. Se os tempos fossem outros, ficaria quieto, recluso no medo de cumprimentar o 'drogadão'; mas ergui a cabeça e exclamei:
- Opa, e aí, como é que está? (transcrito com correções ortográficas)
Não prestei atenção à resposta. Agora refletindo o ato, acho que já estava acostumado a tal feito. E novamente fez-me bem.

Certamente haverá quem diga que minha radical mudança não alterou em nada a quem foi de certa forma afetado por ela. Entretanto, procurei resolver a polêmica interna que se debate em mim da forma mais altruísta que encontrei. Mais do que alimentar com restos e sobras os seres humanos animalizados. Dar a parte mais genuína e renovada de contato vivo, humano, despido de qualquer dó e revestido de um sentimento igualitário de seres humanos que somos.

3 comentários:

  1. Primeiramente, acho que o Rafinha é o 'personagem' mais sério do elenco do CQC e a evolução dele em relação aos outros (quase todos) é grande, suficientemente, para ele ter 'ganhado' outro programa em horário nobre.
    Não acho A Liga um programa sensacionalista, acho realistas e tenho reserva minhas noites de terça-feira a conhecer realidades que eu até então não compreendia.
    Acho teu novo comportamento digno, típico de um guri com a tua personalidade e caráter. Não concordo quando dizes que não tem poder para mudar o mudo e sequer saberia o que fazer com ele.
    Parabéns, estás escrevendo muito bem!
    Beijão!

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  2. Não sei se foi mais difícil arrumar tempo para vir ler teu blog ou para escolher em quais dos textos eu comentaria.
    Escolhi o último que li, tudo bem pra ti?
    O fato é que, independente de qual eu escolheria, a essência de todos os textos é a mesma. Essência movida por uma personalidade e identidade ímpar do autor. Transborda sensibilidade e inteligência. Faz pensar, refletir, quase levantar da cadeira.
    Também nao sei se amei mais o texto em si ou a tua tal "mudança brusca".
    Sei que gostei da sensação de ler essas palavras "do teu jeito..."
    Se eu consegui definir mais algumas coisas perante o que li, volto aqui e aviso, ok?
    Enquanto isso, continua observando a vida, agindo e transofrmando todas as tuas vivências em palavras.
    Quanto a divulgação do blog, deixa comigo. Faço questão de divulgar talentos.
    Beijos cheios de saudade, desejos de inspiração e uma catástrofe de orgulho de ti.

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  3. Bom, tanta coisa pra falar....
    Hoje acho que encontrei algo mais interessante para ler do que as últimas matérias da garagem do bellote, críticas automotivas ou as novidades e reportagens terra ou globo.com. Acabei por acaso achando algo que vai bem mais além.
    Assim, com o teu jeito de escrever, falar ou agir, tu talvez não consiga mudar o mundo, mas com toda certeza vai conseguir mudar as pessoas que estão a tua volta.
    Sem dúvidas, o que está fazendo aqui, só vai se refletir em mais e mais sucesso, que é o que eu te desejo.
    Ato nobre o que fizestes.
    De fato, breves palavras são capazes de descrever tudo, o texto em si está muito bem formulado, sendo que a leitura te envolve de um modo que da faz pensar e refletir, vai muito além das habituais crônicas com temas que somos acostumados a ler em jornais e revistas.
    Esse o agradecimento por ter tornado meu dia melhor. Todo sucesso do mundo para você!
    Que os posts sejam constantes, nunca faltem temas ou inspiração para escrever e que continue tocando a todos com essas pelas palavras e esse belo jeito de pensar!

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