Total de visualizações de página

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Prêmio

Para um ano de extrema ferrugem literária e inércia do blog, ainda consolo-me com esta premiação a mim concedida. Boa leitura!


XXXII Concurso Literário Municipal de Santa Maria
Categoria: Crônica
2º lugar


Do cinza à cor da alegria

Há, na vida, ocasiões em que tudo parece conspirar para determinado fim. Era aquela tarde um desses momentos. Chovia levemente, e o vento frio e brando fazia as gotas tilintarem nas vidraças. Eu sabia que a predisposição evidente para aquele dia era unir-me aos cobertores e dormir ao som aconchegante da chuva; mas, por motivos que ainda desconheço, odeio obviedades e atitudes determinadas. Tomei meu guarda-chuva e saí sozinho e sem rumo pelas ruas da cidade.

Enquanto eu andava a passos cuidadosos, jogando “amarelinha” com as lajotas quebradas da calçada, os carros e os indivíduos traçavam seus caminhos no ritmo de sempre: velozes, mecânicos e ainda assim mais monótonos que um relógio de pêndulo. No entanto, isso estava longe de ser uma novidade. Segui o passeio por mais alguns minutos, já meio enfadado e arrependido por ter resolvido sair de casa. Meus pés estavam úmidos e o vento começava a incomodar-me, então decidi tomar o sentido da praça que marcava a entrada ao caminho de volta.

A praça estava praticamente vazia. Além das margens, por onde passavam as pessoas que seguiam outros caminhos, somente o enorme chafariz – quase sempre esquecido – continha pessoas em seu entorno. Parei discretamente para observar a cena solitária que se passava no local.

Um menininho – tinha lá seus cinco anos de idade – equilibrava-se na mureta que continha as águas do chafariz. Quando andava alguns metros, pulava para a calçada e, gargalhando, abraçava a avó que retribuía aos sorrisos. O menininho parava, vez em quando, e contemplava maravilhado os jatos d’água que subiam e desciam do chafariz. Os olhos do garotinho brilhavam e os risos vinham acompanhados de palmas descompassadas. O espírito entusiasmado da criança enchia-me os olhos. Tudo se passava com tamanha candura que não poderia ser mais paradoxalmente maravilhoso, emocionante e inexplicável. A felicidade do infante inebriava-me de uma enigmática satisfação; eu sorria solitário no meio da praça. Após inúmeras repetições do ato, o inocente menino correu para a avó e, de mãos dadas saíram andando lentamente para o sentido oposto ao que eu me encontrava. Nenhum dos dois parecia preocupado e, pelo sorriso sincero da criança, parecia que cada segundo de suas vidas estava valendo a pena.

Meu olhar permanecia absorto nos dois. Suas roupas eram surradas e mal cuidadas; os cabelos eram desgrenhados e as unhas compridas. Não eram, pois, de uma família muito abastada, mas ali estava a maior riqueza que eu já havia presenciado nos últimos tempos: ainda que o sol não houvesse
surgido, o dia estivesse cinza e a chuva deixasse o clima mais lânguido; havia uma criança e uma senhora idosa, que insistiam em jogar baldes de tinta da cor da alegria em suas vidas. Baldes arrojados por mãos que se engajam, diariamente, em uma luta persistente e infindável contra qualquer tipo de determinismo; seja climático ou até mesmo social. Indivíduos que, com todas as dificuldades da vida, encontraram em um simples chafariz a fuga de toda e qualquer obviedade; era a diversão, a alegria inocente, a riqueza dos fatos na singeleza da cidade.

Eduardo Librelotto Fernandes