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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Clamores da Alma

Existem pessoas que permanecem impenetráveis. Imergem para sempre no oceano inóspito do racionalismo irresoluto. Uma vida sem o uso da razão é, sem dúvidas, improvável de ser vivida. Entretanto, o uso infinito e descontrolado dessa essência racional sufoca a alma. Impede-nos de perceber os deleites sensíveis da vida; vai matando, sem escrúpulos, nosso instinto humano e transformando-nos em máquinas vivas. Para permanecermos vivos interna e externamente, às vezes é preciso, como farei agora, embeber o espírito no bálsamo embriagante do sentimentalismo e entremear nossa alma às dos outros sujeitos e objetos.

Analisemos, por exemplo, em puro devaneio, uma simples rosa vermelha, inerte, que apenas sacoleja lânguida ao embalo sibilante do vento. Neste momento, a abelha adornada de um milimétrico gradiente dourado repousa nesse leito real, sugando para si o néctar doce que a rosa resguarda. Findo o ato, transporta a essência colhida ao reduto do trabalho de suas companheiras, onde o cúmulo do coletivismo transforma o bruto no líquido. O suave pólen tornando-se o mais puro doce da natureza.

À medida que esses fatos acontecem, algum homem incompreendido vai a um armazém de esquina. Com uma introdução lacônica, rapidamente adquire o recipiente contendo a chave para o desejo gustativo repentino. Em sua vida de ritmo céleree a amargo, momentos como aquele eram raros. O paladar adquiria sensibilidade incomensurável a cada dose tragada do mel. No instante em que digeria o doce, a coragem submergia de seu cônscio e seus pés o direcionavam à casa da amada.

Enquanto esperava a resposta ao toque na campainha, suas veias ferviam pulsantes. A porta se abriu. A rosa que levava na mão tornou-se, no instante do choque de olhares, o fragmento mais puro subtraído e esculpido do coração do amante. As emoções entraram em conflito e as consequências se resumiram a um beijo adocicado ainda pelo mel.

Era a prova empírica de que a rosa, a abelha e o mel estavam com as almas em júbilo, comungadas às almas dos amantes. Aqueles, objetos neutros que, agora, representavam a entropia ativa do amor em expressão, da vida em atividade. Estes, o sentimentalismo sincero, a despreocupação com o mundo exterior; a felicidade em pleno protesto às admoestações que o "modernismo" trazia aos sorrisos, cada vez mais raros e suprimidos em meio ao caos do estresse humano.

Portanto, por mais que sejam só devaneios, parece-me claro que devaneios têm, também, alma; pedindo para ser ouvida. A vida tentando nos frear e clamando por atenção aos detalhes castos que ignoramos despercebidamente. Talvez devêssemos ouvir o tal sentimentalismo e dar a nós mesmos a chance de reduzir o ritmo estritamente racional e aderir ao ritmo do sentimentos. Visto que somos algo muito maior que ações mecânicas pré-planejadas. Somos amantes, somos amigos, somos acaso e somos, acima de tudo, a alma em essência.

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